Um sonho que nasceu em Iguaçu

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Assumi a Presidência da República em março de 1985. Meu espaço para deflagrar minhas próprias ideias era muito estreito. Não tinha partido político. Minha filiação ao PMDB era uma exigência legal. Minha base política era a dissidência que me acompanhara vinda do PDS, tendo à frente o grande homem público, exemplo de austeridade e patriotismo, Aureliano Chaves, junto de Jorge Bornhausen, Marcos Maciel, Guilherme Palmeira e outras lideranças. Eu vinha de um estado sem peso político, o Maranhão, sem ligação com a grande mídia, sem apoio de corporações econômicas e fortemente combatido pelo PT, PCB, aglutinando uma militância política raivosa que me via como um conservador de direita. Nada mais errado. Era um homem de centro, defensor das causas sociais.

Situação difícil e quase impossível de governar. Tancredo morrera com o segredo de seu programa de governo e deixou o compromisso com o ministério já nomeado; eu fiquei como herdeiro desse momento de transição democrática.

Mas havia um espaço que era do meu conhecimento, do meu gosto e da minha vivência: a política externa.

Aproveitei o tema com todas as garras. Tinha a convicção de que nossa política no Cone Sul estava errada: inexplicável a nossa rivalidade com a Argentina, dois grandes países que representavam quase a metade da América do Sul.

Em Iguaçu, nos encontramos pela primeira vez, Alfonsín e eu, e propus-lhe mudar a história do Continente com uma união capaz de comandar uma poderosa integração buscando a criação de um Mercado Comum, no modelo europeu, que promovesse uma integração econômica, física, cultural, energética, turística, que nos possibilitasse formar um bloco, que depois incluísse os demais países da América do Sul, dando margem a que nossa capacidade de competição em nível mundial fosse mais efetiva e nos possibilitasse crescer juntos, numa economia de escala.

Como primeiro passo tínhamos de vencer a rivalidade nuclear que existia em nossas Forças Armadas — grupos que já desenvolviam arma nuclear, numa corrida de quem chegaria na frente. Seria difícil se não tivéssemos a compreensão de grande estadista do Raul Alfonsín: aceita a nossa proposta, iniciamos o que resultou na Ata de Iguaçu e na montagem dessa nova política, cujo documento básico foi o Tratado de Buenos Aires.

Foi uma época de ouro, havia entusiasmo em nossas equipes diplomáticas e nos três presidentes: da Argentina, Alfonsín; do Brasil, eu; e, do Uruguai, Sanguinetti, homem de grande visão e inteligência. Surgia o Mercosul. O Prefeito de Jaguarão, na fronteira Brasil-Uruguai, resumiu esse clima numa frase: “Foi o fato mais importante que aconteceu nas Américas, depois de nossas Independências”.

Esta semana comemorou-se a Data Nacional da Pátria Argentina, e soube que o grande Embaixador Daniel Scioli, dono de notável biografia, tem feito um ótimo trabalho diplomático, encarregado da missão histórica de dar continuidade às excelentes relações entre nossos dois países num tempo de pessimismo, em que se chega a falar, com meu indignado protesto, em extinguir-se o sonho do Mercosul.

O Mercosul não morrerá nunca. Brasil e Argentina, responsáveis pela grande missão de integrar a América, cumprirão esse destino. Um dia ele será realizado totalmente, e nós gritaremos o grande lema: “Crescer Juntos”.

Após duas doses da Coronavac, Sarney não está imunizado

por Jorge Aragão

De acordo com o site Metrópoles, no Blog do Noblat, o ex-presidente da República, José Sarney, teria revelado que apesar de ter tomado duas doses da vacina Coronavac, o maranhense não conseguiu a tão desejada imunização.

Decididamente, esse não foi o presente que o ex-presidente José Sarney esperava ganhar depois de ter completado, no final de abril último, 91 anos de idade.

Agentes de saúde do governo do Distrito Federal foram à sua casa, no Lago Sul de Brasília, imunizá-lo contra a Covid-19, ele e sua mulher, a ex-primeira dama Marly Sarney, de 88 anos.

Ambos tomaram a primeira dose da Coronavac, e mais recentemente a segunda. Transcorrido o prazo determinado, submeteram-se ao teste que indicaria o grau de imunização de cada um.

O de Marly deu alto. O de Sarney, nenhum. “Simplesmente não funcionou”, reconhece o ex-presidente.

Nem a Coronavac nem a Oxford-AstraZeneca, duas das vacinas aplicadas hoje no Brasil, divulgaram dados da eficácia em idosos acima dos 80 anos.

A verdade e a mentira

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Vivemos num mundo em transformação. A sociedade digital mudou tanta coisa que isso atingiu o nosso modo de pensar. O aspecto mais discutido é o que se chama de “a morte da verdade”. São tantas versões sobre um fato que não se sabe qual é a verdade.

Este problema não é novo. Sempre foi uma questão fundamental e está no centro do Evangelho. Pilatos pergunta a Cristo: “Tu és rei?” Jesus diz que veio para dar “testemunho da verdade”, e Pilatos retruca: “O que é a verdade?” O que acontecia era que falavam “línguas” diferentes: Jesus, a de Deus; Pilatos, a do poder.

Agora nos deparamos com o problema do testemunho, ou melhor, das testemunhas. Querem que elas digam a verdade, mas a verdade é que, para elas, já não existe a verdade. A verdade é uma abstração, algo que lhes querem impor com nomes que lhes são alheios, como fatos, ciência, até mesmo mostrando-lhes gravações com uma imagem em que não se reconhecem. Ora é uma coisa que não foi dita para valer, foi dita para dizer o que querem ouvir.

Além da mentira, há o caso do mentiroso: mente quem diz a mentira ou quem construiu a mentira? Pelo menos é o que está lá no Montaigne: “Eu sei que os gramáticos distinguem dizer mentira de mentir; e dizem que dizer mentira é dizer coisa falsa, mas que se pensa que é verdadeira.” Como a definição da palavra em latim quer dizer ir contra sua consciência “isso só toca àqueles que dizem o contrário do que sabem”.

Mas acrescenta que mentir é “um vício maldito, pois somos homens e só temos uns aos outros pela palavra”; e que depois que se começa a mentir é difícil parar. “Se, como a verdade, a mentira só tivesse uma face, estaríamos em melhores termos. Porque tomaríamos por certo o contrário do que diria o mentiroso. Mas o contrário da verdade tem cem mil rostos e um campo indefinido.”

Assim vai andando a verdade, quer dizer, a mentira. Pois o mentiroso diz o que sabe que é falso, mas quando acha que o que é verdadeiro é falso, não sabe o que dizer, se a falsa verdade ou a verdadeira mentira. E eu podia terminar com o Padre Vieira: “Finalmente, reduzindo todo o discurso, ou discursos: mentem as línguas, porque mentem as imaginações; mentem as línguas, porque mentem os ouvidos; mentem as línguas, porque mentem os olhos; e mentem as línguas, porque tudo mente, e todos mentem.”

Mas, hoje, quando a sociedade se pauta pela rede social e admite várias versões da verdade, pode parecer que não se sabe mais onde está a verdade; no entanto a verdade, aquela que não é versão, mas fato, existe.

Eu mesmo sei uma verdade incontestável: o Brasil precisa vacinar toda a sua população, seguir as recomendações dos cientistas e salvar vidas. Pois há vidas a serem salvas, e com elas o País tem obrigações.

Não é especulação filosófica ou um jogo de palavras. É a realidade que estamos vivendo.

Sarney também defende uma terceira via para 2022

por Jorge Aragão

Vai crescendo cada vez mais a corrente de políticos defendendo uma terceira via para a disputa pela Presidência da República em 2022.

Desta vez foi o ex-presidente da República, José Sarney, de acordo com O Globo, o maranhense entende que a alta rejeição de Lula e Bolsonaro abre caminho para tal.

Vale destacar que tanto Lula quanto Bolsonaro, recentemente, procuraram José Sarney.

O maranhense também deve ter levado em conta, na aposta da terceira via, a quantidade de eleitores que estão ainda indecisos. De acordo com a última pesquisa do Datafolha, semana passada, 49% do eleitorado ainda está indecisa.

É aguardar e conferir.

Eu e Zé Gotinha

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Outro dia o grande médico brasileiro Dr. Dráuzio Varella disse, no Fantástico, que quem inventou o SUS era um gênio. E um constituinte de 88 declarou com estardalhaço que a maior obra da Assembleia Constituinte foi a universalização da saúde.

Estou acostumado a me roubarem meus projetos e realizações. Por 20 anos apresentei vários projetos sobre incentivos à cultura. Só passou o último, e porque eu era Presidente da República, e assim pude sancioná-lo. Os artistas colocaram o nome de Lei Sarney. Ninguém tinha abordado o problema da cultura como eu o fizera. Pois bem, quando saí do governo, a primeira coisa que fizeram foi tirar o meu nome, e para isso revogaram a lei e apresentaram um projeto quase igual. Eu não reclamei, apenas disse que, para voltar a Lei da Cultura, eu votava qualquer lei.

O mesmo aconteceu com o vale-transporte, o vale-alimentação, o 13º salário para os funcionários civis e militares, a Lei da AIDS, a aposentadoria para o homem do campo e tantas outras iniciativas sociais. Agora é a vez do Zé Gotinha, meu velho amigo, companheiro de muitas campanhas de saúde. Botaram nele cabelo, uma máscara azul horrível e tacaram no peito SUS.

SUS nasceu SUDS, durante o meu governo, bem antes da Constituinte. Tendo como sogro um grande e famoso médico do Maranhão, Dr. Carlos Macieira, e cunhado e tios por afinidade também médicos, desde cedo aprendi a conhecer os problemas de saúde. Em 1986, antes de completar um ano de presidência, realizava-se a 8ª Conferência Nacional de Saúde, presidida por Sergio Arouca, que era diretor da Fiocruz e muito ajudou no meu governo. Como ele era comunista — naquele tempo isso era marca do diabo —, a conferência era maldita. Aconselharam-me a não comparecer. Lá estive, a prestigiei e ouvi vários pronunciamentos que pediam a universalização da saúde. Um pobre não tinha onde tomar uma injeção senão nas instituições de caridade.  Ora, eu não achava justo que a saúde fosse direito só de quem tinha dinheiro e podia pagar tratamento. Bolamos então a criação de um programa que estendia tratamento a todos. Acrescentei no meu discurso criar assistência médica para todo o povo brasileiro. Criamos o SUDS: Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde. A Constituinte substituiu o nome para SUS e tomou conta dele. Esqueceram-se de que já existia.

Quando das campanhas de saúde, a começar pela de erradicação da paralisia infantil com a vacina Sabin, como havia resistência em tomar a vacina, resolvemos fazer um concurso em todas as escolas do País para um símbolo da campanha, promovido pelo Ministério da Saúde. Foi criado então o Zé Gotinha. Popularizamos e foi um sucesso. Pois agora me tomaram. Muito antes, quando Governador do Maranhão, em 1966, na campanha de erradicação da varíola, criei — com a direção médica do grande sanitarista, hoje esquecido, Dr. Cláudio Amaral — os comícios da saúde. Eram grandes eventos, em praça pública, com dezenas de vacinadores.

Eu me lembro da Conferência de 66, quando eu disse: “Aqui se define hoje um novo sistema de saúde para o Brasil.” Saúde para todos. Hoje se chama SUS. Sem ele os problemas da saúde seriam inimagináveis. Fico feliz de tê-lo criado.

Agora me tomam o Zé Gotinha. Que tomem, desde que ele continue com sucesso a ajudar a vida, chamando o povo para se vacinar contra a Covid. Que todos se vacinem, como pede a Ciência.

Depois de Bolsonaro, Sarney recebe a visita de Lula

por Jorge Aragão

O ex-presidente da República, José Sarney, segue sendo um verdadeiro estadista e um político com extrema relevância no cenário nacional.

Depois de receber na sua residência o presidente da República, Jair Bolsonaro, na semana passada, para um café da manhã, Sarney recebeu a visita, nesta quinta-feira (06), do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O petista foi até a residência do maranhense para um almoço, onde, obviamente, o cenário político no Brasil foi um dos principais assuntos debatidos.

Desde que recebeu o aval do Supremo Tribunal Federal para disputar as eleições do ano que vem, Lula tem buscado apoio para tentar voltar a comandar a Presidência da República.

Já Sarney, aos 91 anos e vacinado contra a Covid-19, tem deixado o isolamento de um ano e voltado a realizar encontros políticos.

O recorde trágico

por Jorge Aragão

Por José Sarney

O Brasil atingiu, esta semana, um número de mortos pela pandemia de Covid-19 que não pode ser ignorado: passaram de 400 mil as vítimas. Os exemplos da imprensa para exprimir a dimensão da tragédia têm, e não poderia deixar de ser assim, um ar macabro. Sejam as comparações com as áreas das grandes capitais do País que seriam ocupadas por um cemitério, sejam as com o tamanho e número de cidades, sejam as com outros grandes morticínios, saímos delas com a certeza de que somos testemunhas de um marco histórico desses que acontecem poucas vezes na História.

Aos 91 anos, pertenço à mais velha das gerações contemporâneas; a gripe espanhola ocorreu doze anos antes de eu nascer. Vivi a Segunda Guerra Mundial; mais tarde acompanhei a revelação dos números dos grandes genocídios perpetrados por alemães, russos, japoneses, que mostraram os extremos limites do mal encarnado no homem. Durante a guerra chocavam as mortes civis de Dresden — 25 mil —, de Hiroshima — 170 mil. Mas guerra mesmo nós tivemos com o Paraguai, em que morreram cerca de 50 mil brasileiros. O número de paraguaios mortos é motivo de controvérsia, mas hoje os historiadores se encaminham para concordar que teriam sido em torno de 250 mil — vítimas de um dos mais tristes personagens da História das Américas, Solano López, que sacrificou todos por sua ambição pessoal.

Diante da Covid a comunidade científica mostrou, no mundo inteiro, união e solidariedade e, num prazo curto, conseguiu caminhos para aliviar o sofrimento da Humanidade. Nunca se conseguiu fazer vacinas contra um vírus novo em tão pouco tempo. A OMS fez um extraordinário trabalho de comunicação da aparição do SARS-CoV-2 e dos cuidados necessários para enfrentar a doença. Mas a gravidade da Covid-19 não pode ser minimizada. Já pegaram a doença 150 milhões de pessoas. Já há mais de 3 milhões de mortos.

Isso nos dá uma outra dimensão do problema brasileiro. Temos 1/33 avos da população mundial e 1/7 dos mortos. Não é o problema de ser uma humilhação, é o problema de estarmos agindo errado. Lembremos que além das 400 mil vítimas fatais, quase 15 milhões de pessoas pegaram a doença — muitas delas com sequelas graves —, e um número incalculável — 60, 100 milhões — teve, tivemos, que acompanhar com terror um familiar ou um amigo ficar doente e, vezes demais, falecer.

Um país, tantas vezes invocado como exemplo, é agora o modelo a seguir: os Estados Unidos. Durante nove meses Donald Trump combateu a ciência e os cientistas. Seu país colocou-se na liderança mundial de mortos, atingindo meio milhão. Então Biden assumiu. Colocou o combate nas mãos dos cientistas. Fez regras nacionais de isolamento e uso obrigatório de máscaras. O resultado não podia ser melhor, os números desabaram. Dar todo o poder à ciência é, portanto, a única solução.

Todos nós devemos ter, agora, o mesmo altruísmo que têm médicos e cientistas, que fazem enormes sacrifícios pessoais e passam por riscos tremendos: pensar no próximo, não somente em nós mesmos. Usar máscara, lavar as mãos, evitar aglomeração e qualquer coisa que ajude a disseminação do vírus, que pode se espalhar e infectar outras pessoas, inclusive as mais pobres, que têm menos condições de tratamento e, portanto, correm mais risco de morrer.

Senado fará homenagem a Sarney em Sessão Especial

por Jorge Aragão

O Senado fará uma sessão especial, em data que ainda será confirmada, para homenagear o ex-presidente da República e ex-senador José Sarney pelos 91 anos que completou no dia 24 de abril. O requerimento para a homenagem, apresentado pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), foi aprovado nesta terça-feira (27) durante sessão deliberativa remota.

No requerimento, Nelsinho Trad relembra fatos marcantes durante a trajetória de Sarney, como a Constituição de 1988, aprovada enquanto ele era presidente da República. Também foram lembradas as quatro vezes em que ele presidiu o Senado, nos cinco mandatos que teve na Casa, e sua obra literária, que o levou a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Ao justificar a homenagem, Nelsinho Trad citou trecho do livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury: “Nós somos todos constituídos de bocados, de extratos de história, de literatura, de direito internacional. (…) E se nos perguntarem o que fazemos, podeis responder: ‘Recordamo-nos’”.

O requerimento foi subscrito pelos senadores Luiz do Carmo (MDB-GO), Eduardo Braga (MDB-AM), Rose de Freitas (MDB-ES), Marcelo Castro (MDB-PI), Lucas Barreto (PSD-AP), Simone Tebet (MDB-MS) e Eduardo Gomes (MDB-TO).

A Pandemia

por Jorge Aragão

Por José Sarney

A grande epidemia, logo tornando-se pandemia, da civilização digital que está em curso é a primeira, e queira Deus que seja última, totalmente documentada, inclusive no seu processo de desenvolvimento, podendo os cientistas acompanhar as variantes que se multiplicam em todos os países, já existindo quatro mil, sendo que as mais preocupantes são a inglesa, a sul-africana e a brasileira, por serem mais contagiosas, podendo aumentar a possibilidade de reinfecção.

Cada vez mais constatamos que as doenças contagiosas constituem o grande perigo, bastando constatar que só a malária mata 400 mil pessoas por ano e a gripe, de 300 a 600 mil.

Nunca a humanidade teve a sua disposição tantos recursos científicos quanto temos hoje, o que possibilitou usarmos um conjunto enorme, mas insuficiente, de vacinas, medicamentos, equipamentos e recursos humanos. A Covid atingiu desde — como é óbvio — o gigantesco aparato de saúde, do mais primário ao mais sofisticado, todos igualados pela limitação dos instrumentos de combate, até a educação, a economia, os transportes, a mobilidade mundial, enfim, todos os setores da sociedade. Nada escapa ao buraco negro de sua impensável potencialidade. Ela surgiu, como todas as doenças epidêmicas, com a velocidade de um raio, não se sabendo o que era, como era, como seria e como combatê-la. Não se sabia nada e quanto mais se sabe mais interrogações surgem — e mais falta sabermos.

As epidemias castigam a humanidade desde sua existência, e quando Malthus inventou a demografia as colocou como o controle demográfico que ao longo dos séculos evitaria a catástrofe de a espécie humana crescer tanto que chegaria ao fim da capacidade de produzir alimentos, matando pela fome — o que acontecia em invernos dos países do Hemisfério Norte, até a batata chegar à Europa levada das Américas, na globalização da agricultura. Em 1988, quando estive em São Petersburgo, fiquei admirado quando — ainda ontem, no século XX — fui apresentado ao Ministro da Batata, encarregado de fazer estoques de verão para ter assegurada a alimentação do inverno. A troca de produtos, que permitiu a salvação de milhões na Europa, foi acompanhada da morte de 90% da população nativa da América — talvez 55 milhões de mortos.

Imaginemos o passado profundo, fixado apenas nos relatos que nos ficaram na tradição oral, nas bibliotecas de pedra, nas tablitas de barro, nos pergaminhos, nos papiros, no papel e em tantas formas de guardar para a história os fatos maiores e vejamos o sofrimento, a desgraça, os martírios que atingiram a espécie humana.

Quantos heróis, por amor a Deus e ao próximo, estão nos altares, no martírio de salvar seus irmãos nestes momentos. Hoje, com os recursos visuais massificados, a dor passa para todos nós, como uma família só, todos nós com o coração da caridade e a alma do amor ao próximo.

O amor e um mundo de paz

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Entre perplexo, revoltado, preso de um medo que cada vez se prolonga mais, o Brasil assiste entre preces e lágrimas ao anúncio dos recordes mundiais que alcançamos em mortes provocadas pela Covid.

O que podemos fazer? Acho que ninguém deixa de estar disposto a ajudar. O problema tornou-se uma tragédia global pelas circunstâncias que cercaram a pandemia. Primeiro o caráter de surpresa com que a quase totalidade do mundo foi tomada — apenas alguns milhares de cientistas e estudiosos sabiam que ela viria a qualquer momento. Aliás o inesperado caracteriza as catástrofes. Nos seus bilhões de anos a nossa Terra, como o universo, é marcada por acasos, nas contorções que lhe dão desde a forma geográfica — com a criação de oceanos, montanhas, vulcões, destruição de cidades — até à criação da vida e ao aparecimento e à extinção das espécies. A própria prevalência da espécie homo sapiens foi fruto do desaparecimento dos seus parentes mais próximos, como os neandertais, que chegaram a misturar-se ao próprio sapiens.

Não deixemos de considerar que somos uma espécie extremamente recente, de cerca de trezentos mil anos, que teve em sua adaptação e predominância a vantagem decisiva da linguagem, esta talvez há apenas 70 mil anos.

Criamos várias civilizações, convivemos com vários tipos de sociedade e chegamos à modernidade e à pós-modernidade. Conseguimos desvendar o mundo dos genes e das proteínas, o mundo das partículas de alta energia, como o bóson de Higgs — a que chamaram de “partícula de Deus”, por concluir o “Modelo Padrão” que explica a estrutura do universo.

E assim o bicho homem desfruta de um mundo extraordinário — o dos sentimentos —, que nos dá a sublimação da alegria, do prazer, do sentimento do amor e também da tristeza, da dor. Aquilo que Bergson chamava de “sentimento da alma”.

Pois bem, isso que nos traz a alegria de viver dá ao homem também a desgraça da maldade, do ódio, da inveja, da destruição. As nações se organizam e, em vez de construir um mundo de paz, de convivência pacífica, de uma Humanidade sem armas, sem ódio, sem competição, marcha em busca de armas cada vez mais potentes, capazes de destruir países e até a vida na Terra.

Mas se esquece que a natureza é mais forte que todos esses atos. E ela reage de maneira aleatória, como o passado mostrou tantas vezes, trazendo as pestes, a destruição de espécies, e nos ameaça com aquilo que Helmut Schmidt dizia — repito ainda uma vez — ser a maior ameaça ao futuro da Humanidade: as doenças desconhecidas. A nossa geração já conhece duas: a Aids e a Covid.

A presença do acaso em absolutamente todos os fatos da natureza levava Einstein a dizer que sua ideia de Deus era formada por sua “profunda convicção na presença de um poder superior, que aparece no universo incompreensível”.

A desgraça da Covid que nos ameaça, que não sabemos como começou e como vai terminar, nos leva a pensar no início da filosofia, o de onde viemos e para onde vamos, de Platão.

Eu, que sou cristão, penso no amor, na solidariedade e na construção, depois dessa tragédia, de um mundo melhor, mais humano e de paz.