A inelegibilidade por rejeição de contas públicas

por Jorge Aragão

Ficha_suja23111Por Flávio Braga

O artigo 1º, mind inciso I, ask alínea g, cheap da LC nº 64/90 (modificado pela Lei da Ficha Limpa) dispõe que são inelegíveis para qualquer cargo os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do artigo 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

Observe-se que a parte final do dispostivo (quando se refere a mandatários) autoriza o julgamento das contas de gestão de prefeitos diretamente pelos tribunais de contas, sem necessidade de apreciação política pelo Parlamento Municipal. Deveras, o artigo 71, II, da CF/88 estabelece que as contas de todos os administradores de recursos públicos (ordenadores de despesa) devem receber o julgamento técnico em caráter definitivo da Corte de Contas, consubstanciado em um acórdão. O TSE reconheceu a aplicabilidade dessa norma durante o julgamento do Recurso Ordinário nº 401-37, em 26.08.2014.

O artigo 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/90 veicula o propósito específico de proteger a probidade administrativa na gestão dos recursos públicos e a moralidade eleitoral, considerada a vida pregressa do agente político, na forma do mandamento constitucional hospedado no artigo 14, § 9º, da CF/88.

Com efeito, a norma em tela autoriza a Justiça Eleitoral a realizar uma assepsia no plantel de candidaturas requeridas por partidos e coligações. A prática eleitoral tem-nos mostrado que a rejeição de contas é a causa de inelegibilidade arguída com maior frequência nas Ações de Impugnação de Registro de Candidatura e a que tem provocado os embates jurídicos mais acalorados nas últimas eleições.

A redação primitiva da alínea g estabelecia que a mácula da inelegibilidade poderia ser afastada com a mera submissão da questão à apreciação do Poder Judiciário. Assim, para recuperar a capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado), bastava o gestor ímprobo protocolizar uma petição de ação anulatória perante a Justiça Federal ou Estadual, conforme a natureza dos recursos malversados.

A redação atual evoluiu no sentido de impor que a chaga da inelegibilidade só deixará de prevalecer se o candidato obtiver um provimento judicial determinando a suspensão ou a anulação da decisão proferida pelo órgão competente para julgar a prestação de contas (casa legislativa ou tribunal de contas).

Flávio Braga é Pós-Graduado em Direito Eleitoral, Professor da Escola Judiciária Eleitoral e Analista Judiciário do TRE/MA.

Compra de votos e inelegibilidade

por Jorge Aragão

compra-de-votoPor Flávio Braga

O artigo 41-A da Lei Geral das Eleições preceitua que constitui captação ilícita de sufrágio (compra de votos) o candidato doar, mind oferecer, cialis prometer ou entregar ao eleitor, nurse com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou cargo público, desde o pedido de registro da candidatura até o dia da eleição. O ato de ameaçar ou constranger alguém (servidor público, por exemplo) para que vote em determinado candidato também é considerado uma modalidade de captação ilegal de sufrágio (coação eleitoral).

No decorrer da campanha eleitoral, as transgressões mais comuns são a doação de material de construção (telhas, tijolos, cimento, areia), distribuição de remédios, entrega de dinheiro em espécie, pagamento de contas de energia elétrica, promessa de emprego etc.  Para a configuração da ilicitude em tela basta o aliciamento de um único voto, visto que o bem jurídico tutelado é a liberdade de escolha do eleitor. Ressalte-se que é desnecessária a demonstração de que o eleitor tenha efetivamente votado no candidato beneficiado pela corrupção eleitoral.

Para a caracterização da conduta ilícita não é necessário que a compra de votos tenha sido praticada diretamente pelo candidato. A cooptação de eleitores pode ser realizada por terceiros, como cabos eleitorais, apoiadores, correligionários etc. É suficiente que o candidato tenha consentido ou haja participado de alguma etapa da infração eleitoral. Também é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir (suborno de eleitores).

As sanções previstas na Lei Geral das Eleições são a multa e a cassação do registro ou do diploma. Com o advento da Lei da Ficha Limpa, a condenação por compra de votos passou a acarretar, como efeito reflexo, a sanção de inelegibilidade pelo prazo de oito anos, a contar da data da eleição em que se verificou o ato ilícito. Conforme a remansosa jurisprudência do TSE, a incidência dessa  causa de inelegibilidade ocorre ainda que a condenação tenha imposto somente a penalidade de multa, em virtude de o candidato infrator não haver sido eleito (e não possuir diploma para ser cassado).

É que as sanções previstas no artigo 41-A são distintas e autônomas entre si, ou seja, elas podem ser aplicadas de forma cumulativa ou individual. O fato de o candidato corruptor não ter sido eleito impede que lhe seja imposta a pena de cassação do registro ou diploma, porém não afasta a possibilidade de aplicação da sanção pecuniária, que também acarreta a mácula da inelegibilidade.

Nesse compasso, a inelegibilidade se apresenta como um efeito externo, secundário, da decisão que condena o candidato por compra de votos. Por isso, a decretação de  inelegibilidade por oito anos não necessita constar na parte conclusiva da sentença condenatória, porquanto somente será declarada em uma futura e eventual ação de impugnação de registro de candidatura, na fase oportuna do processo eleitoral.

Por derradeiro, cumpre destacar que, tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, a substituição do candidato declarado inelegível pela Justiça Eleitoral só se efetivará se o novo pedido for apresentado até vinte dias antes do pleito.

Flávio Braga é pós-graduado em Direito Eleitoral, professor da Escola Judiciária Eleitoral e Analista Judiciário do TRE/MA.

Novas interpretações sobre inelegibilidade

por Jorge Aragão

flaviobragaPor Flávio Braga

Uma das inovações mais virtuosas trazidas pela Lei da Ficha Limpa atingiu em cheio os prefeitos municipais que tiverem contas de gestão desaprovadas diretamente pelo Tribunal de Contas do Estado. A previsão está agasalhada na nova redação dada à controvertida alínea “g”, site inciso I, ambulance do artigo 1º da Lei das Inelegibilidades, que manda aplicar o disposto no artigo 71, inciso II, da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesas, sem exclusão de mandatários (gestores) que houverem agido nessa condição. Por óbvio, todo prefeito detém a condição de mandatário e de administrador público.

Com efeito, a temida alínea “g” da Lei das Inelegibilidades preconiza que são inelegíveis, por oito anos, aqueles que tiverem suas contas públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa e por decisão irrecorrível do órgão competente (tribunal de contas ou casa legislativa).

Consoante lição extraída do artigo “O caso do prefeito ordenador de despesas”, de autoria do Professor Caldas Furtado (Conselheiro do TCE/MA), existem dois regimes jurídicos de contas públicas:

a) o que abrange as denominadas contas de governo, exclusivo para a gestão política do chefe do Poder Executivo, que prevê o julgamento político levado a efeito pelo Parlamento, mediante auxílio do Tribunal de Contas, que emitirá apenas um parecer prévio.

b) o que alcança as intituladas contas de gestão dos administradores de recursos públicos, que impõe o julgamento técnico realizado em caráter definitivo pela Corte de Contas, consubstanciado em um acórdão.

Em suma, para os atos de governo do prefeito, deve haver o julgamento político; para os atos de gestão do prefeito, o julgamento técnico. Assim, de acordo com a nova legislação, quando o prefeito atuar como ordenador de despesas, o próprio TCE julgará definitivamente as suas contas de gestão, sem necessidade de submeter essa decisão ao julgamento político da câmara de vereadores.

Sucede que a Justiça Eleitoral, durante muito tempo, não aceitou o julgamento técnico prolatado pelas Cortes de Contas, por considerar irrelevante a distinção entre contas de governo (execução orçamentária) e contas de gestão (ordenação de despesas). Nessa linha, os tribunais de contas só poderiam julgar prefeitos quando se tratasse da aplicação de recursos repassados mediante convênios.

Entretanto, a jurisprudência mais recente do TSE evoluiu (no julgamento do Recurso Ordinário nº 401-37, em 26.08.2014)  para reconhecer que os atos do prefeito como ordenador de despesas são passíveis de juízo de legalidade e de julgamento pelo tribunal de contas e, por isso, não dependem de apreciação política do Parlamento Municipal.

A consequência prática dessa evolução jurisprudencial é que no pleito de  2016 haverá um aumento gigantesco no contingente de ex-prefeitos incursos na causa de inelegibilidade em apreço, visto que não poderão mais contar com a indulgência providencial das Câmaras Municipais.

Flávio Braga é pós-graduado em Direito Eleitoral, professor da Escola Judiciária Eleitoral e Analista Judiciário do TRE/MA.