O ano vai começar

por Jorge Aragão

Coluna do Sarney – O Brasil tem calendários diferentes dos resto do mundo, a começar pelas estações do ano.

Aqui só temos inverno e verão, inverno quando chove, verão, quando as chuvas não aparecem, e se surgem são atribuídas às frutas: do caju, da manga e assim por diante.

Estas são sempre seguidas de muito trovão e raio e passam rápido.

Depois, as nossas divisões do ano são marcadas pelas festas, santas ou pagãs. O Carnaval marca os dois primeiros meses. Depois vem a Quaresma, que dura quarenta dias, até o Domingo de Ramos. A Semana Santa culmina com a celebração da Eucaristia na Quinta-Feira, do Sacrifício na Sexta-Feira, a Aleluia e a Páscoa; a Paixão de Cristo sempre encenada e movimentando a população, como as procissões do Bom Jesus da Cana Verde, do Encontro e, para misturar tudo, a malhação do Judas — um Carnaval fora de época, com os bailes das aleluias, uma “páscoa” regada às toneladas de chocolate, referência especial de Gramado, e que os baianos não deixam passar em branco. Depois vem o São João com as quadrilhas, os forrós e as danças de São Gonçalo das Moças.

Se tem Copa do Mundo aí é que a coisa pega fogo, porque o país para de vez e é Carnaval todo dia, com ruas enfeitadas, bandeirinhas e bandeirolas, cerveja em toda porta de casa com amigos e aderentes, todos na torcida e improvisando botequins nas calçadas e em todos os andares dos edifícios.

Vem o 7 de setembro e o patriotismo por uns dias toma conta, sobretudo da meninada, e vai ao máximo se tem Esquadrilha da Fumaça.

Em anos de eleição este mês é o auge de trabalho de moças e moços, que, de bandeiras nas mãos, espalhados por todos os congestionamentos de trânsito, gritam o nome de candidatos de que nunca ouviram falar, nem sabem de quem se trata, tudo por cinquenta reais por tarde!

Chega outubro com as grandes concentrações religiosas do Círio de Nazaré, de Aparecida, do Juazeiro do Padre Cicero. Quando começa novembro começamos a ouvir longe os primeiros sinais dos sinos do Natal.

Afinal, depois de falarmos do ano inteiro, o essencial é dizer que o ano realmente começa depois do Carnaval. Essa é a festa das festas, aquela de que até hoje se discute quando começou. Os mais fanáticos dizem que vem das famosas bacanais romanas, importadas da Grécia, em que se homenageava o deus Baco, regadas a vinhos e orgias, e que de tal modo se excederam que o Senado Romano as suspendeu no ano 186 antes de Cristo. Outros o ligam às Saturnálias, também livres e pândegas, festas do deus Saturno, que também eram célebres na antiguidade.

Não vamos dizer que o nosso Carnaval seja tanto …assim… como aquelas festas do passado, porque a nossa só faz com que as mulheres de todas as idades mostrem seu corpo e as novas, queimadas de sol, aproveitem para também mostrar os seios, guardando o essencial, tudo para se preparar para as abstinências da Quaresma…

Outros povos comemoram também outros calendários, como o chinês, o judaico, o ortodoxo Juliano e um do meu avô, que dizia que ano novo era o do seu aniversário, nada do começado em janeiro.

É assim que o ano passa, e vai começar agora, neste ano que tem Carnaval, São João, Copa e eleição. Haja paciência para tanta monotonia!

O jogo da semântica

por Jorge Aragão

Coluna do Sarney*

As palavras, como as pessoas, têm sua vida, nascem, exploram sua juventude e morrem no desaparecimento do uso. Algumas, intencionalmente; outras, em razão mesmo do desgaste. Recordo-me a primeira vez que ouvi a resposta a pergunta que fiz: “Como está nosso amigo comum, Eurico? Ele me respondeu: “Joia.” Eu nunca tinha ouvido essa palavra com esse significado. Depois, foi massificada como expressão de bem-estar.

Outro amigo meu, quando viajei a Nova York e lá comentavam sobre o Brasil, me disse:

– É o país mais legalista do mundo. Quando se pergunta até sobre as pessoas:

– Como vai?

A resposta vem rápido:

– Tá legal.

Isso mostra nosso apreço à lei e a condenação a tudo que está fora dela.

Que grande hipocrisia pensar assim! Tá legal não tem explicação. É tá legal, e se aplica a muitas coisas.

Agora, a moda e a palavra que entraram em circulação foi delação, que passou a ser ofensiva para aqueles juízes que levam o pobre coitado a mostrar uma fraqueza de conduta. O delator hoje é colaborador. A primeira vantagem que ele tem ao delatar é trocar de conceito: de pessoa de conduta ultrajante para pessoa de conduta heroica.

A palavra também é objeto de consumo: consome-se até, como a própria moda, deixar de ser moda. A juventude, esta, tem o seu vocabulário próprio. E eu, outro dia, tomei conhecimento da minha ignorância do vocabulário jovem quando perguntei a um filho meu se gostava de skate, ele me respondeu: “Meu tio, é massa.” Eu, inocentemente, perguntei “Massa de quê?” “É massa, meu tio. O senhor não sabe o que é massa?”

Recordo-me, com saudades, de uma palavra que o velho Nascimento Morais, meu companheiro de redação no jornal O Imparcial e notável figura do jornalismo maranhense, me passou num conselho: quando quiser escrever uma catilinária sobre alguém, comece com a palavra sevandija. Se não tiver sevandija, não é lapada nas costas. Mas ela já desapareceu. E eu mesmo, com saudades dela, tenho receio de empregá-la para não parecer esnobe e querer obrigar a consulta a um dicionário.

Tive um colega na Academia Maranhense de Letras que tomou parte numa discussão levantada pelo professor Mata Roma sobre semântica. Ele levantou-se e recitou os versos de Bilac: “Amai para entendê-las!/ Pois só quem ama pode ter ouvido/ Capaz de ouvir e de entender estrelas.” E concluiu: “Olhe o jogo da semântica.” Nem ele sabia o que era semântica. O velho Mata Roma disse: “Aqui não quero falar mais. Encerro minhas considerações nesse momento.” E ficamos, em nosso cotidiano na Academia, de vez em quando, a olhar para o outro colega e dizer: “Olhe o jogo da semântica.”

Domingos Vieira Filho teve a pachorra de coletar palavras do nosso linguajar. Escreveu um livro excelente A linguagem popular do Maranhão. Nela encontramos algumas expressões que já estão mortas, como, para citar uma erudita, machavelismo, que nada mais é do que a cultura chegando ao povo. Vem de Maquiavel e maquiavelismo. Além das eruditas, há as populares: canto, cruzeta, qualira.

Quero encerrar essas lembranças e brincadeiras com palavras repetindo uma nova expressão, que circula hoje entre os jovens e até entre os velhos: “Tô de boa.”

José Sarney

O medo como intimidação

por Jorge Aragão

sarney3Coluna do Sarney – Já citei muitas vezes o aforismo greco-romano de que “primeiro no mundo o medo criou Deus”. O medo é um sentimento que nos une aos animais e está relacionado com o conhecido e o desconhecido. Sabemos o que podemos sofrer e imaginamos o que podemos sofrer.

Com a vida social, pill o homem foi se libertando do medo. O Leviatã nos explica que o medo da morte leva o homem a buscar a paz que só a sociedade pode garantir. Mas à paz se opõe o desejo de poder. A busca de poder desequilibra a harmonia social e reintroduz o medo.

Se no começo o medo era simples – de animais, pharmacy de fenômenos naturais ou do vizinho -, hoje, sem abandonar essas sensações atávicas, inclusive a visão do lobisomem e do bicho papão, ele tornou-se muito complexo. Sabemos que existe um arsenal nuclear que pode destruir, várias vezes, a vida sobre a terra; ou podemos ter o mesmo resultado se não formos capazes de reverter a marcha do aquecimento global – que Deus dê ao Trump o bom senso que ele não parece ter! E conhecemos as guerras, as mais midiáticas, como as da Síria e do Iraque, ou as mais escondidas, como a do Sudão do Sul, que tomam a forma do genocídio. E a fome, que tanta gente passa, e é outra maneira de morrer.

Quem não tem medo da violência, seja a das armas, que mantém o Brasil numa triste liderança mundial, e que chegou ao Maranhão com a sua brutalidade, seja a dos acidentes de trânsito, com a legião de vítimas aumentando agora pelo uso do smartphone? Ou de perder o emprego, de não poder ganhar o pão nosso de cada dia? Ou de ficar doente, e não ter socorro, tal é o estado de calamidade em que está a rede de saúde? E a ideia de aprender, da educação melhorar a vida das gentes, que vai por água abaixo?

Michel de Montaigne, que viveu em época de guerra de religiões, quando bastava uma suspeita para um massacre, escreveu um dos capítulos de seus Ensaios sobre o medo. Ele lembra que “aqueles que têm um medo forte de perder seus bens, de ser exilados, de ser subjugados, vivem em completa agonia, sem conseguir beber, comer e repousar, enquanto os pobres, os banidos, os criados vivem frequentemente em completa alegria. E tantas pessoas que, na impaciência causada pelo medo, se enforcaram, afogaram e precipitaram, nos ensinando que o medo é ainda mais insuportável que a morte.” E tem uma frase definitiva: “O de que tenho mais medo é do medo.”

É que o medo é escorregadio, ele se insinua nos espíritos e coloca as pessoas fora de si, capazes de fazer o que não fariam – contra o próximo e contra si mesmo. Voltando ao que Hobbes colocou no Leviatã, pior que o medo é o uso do medo como instrumento do poder.

No Maranhão hoje o medo é esse instrumento, utilizado politicamente. Todos têm medo: os comerciantes têm medo das fiscalizações dirigidas; os políticos têm medo das comissões de inquérito, semelhantes às da Inquisição, que levavam às fogueiras; os funcionários têm medo das ameaças e das demissões; cada cidadão tem medo de uma forma de perseguição. Uma denúncia aqui, uma demissão acolá, uma ameaça mais além, chantagens, pressões, insinuações, calúnias, difamações, falsidades… Tudo isso rasga a coesão social, rompe a vida das famílias, mina o futuro.

A ideologia semeia os dogmas – e ai daqueles que não acreditem. Hoje ela desapareceu, tornou-se retórica antiquada; só fez mal à humanidade. Nada fez mais medo, nem a guerra nuclear, que o regime encarnado em Stalin, que matou mais de 30 milhões de pessoas. Será que alguém pensa que o comunismo pode renascer no Maranhão?

Que saudade do medo simples de minha infância, quando – é minha primeira memória – eu e meus irmãos espiávamos, de detrás da porta, os índios que entravam na cidade em fila!

Eu amo o Maranhão

por Jorge Aragão
Centro Histórico de São Luís; imagem da Func

Centro Histórico de São Luís; imagem da Func

*Coluna do Sarney

Abro um blog local e vejo uma manifestação de amor ao Maranhão, malady já hoje compartilhada por dezenas de milhares de internautas. Passo na rua e vejo um carro com um adesivo “Eu Amo o Maranhão”. Despertou-me não cometer o pecado que Vieira dizia ser o mais difícil de evitar: o da omissão.

Achei minha obrigação também, seek uma vez mais e sempre, try de externar meu amor ao Maranhão e minha dor, é a palavra exata, com o massacre com a nossa terra que está havendo na mídia nacional, como se ele fosse responsável por um ataque de ferocidade de alguns bandidos e por um fato trágico que infelizmente acontece em todo o Brasil. Cada dia põem somente o Maranhão, estampando palafitas e miséria que, para serem vistas (e condenadas), ninguém precisa vir ao Maranhão, basta ir à Baixada Fluminense, à favela da Maré, no Rio, à periferia ou mesmo ao centro de São Paulo – onde, segundo o IBGE, 625 mil vivem abaixo da linha de pobreza, classificados como miseráveis.

A sedução do Maranhão é um mistério. Não podemos aceitar essa campanha contra nossa terra que, como todas as outras, tem números ruins. Não se diz que hoje temos o 3º porto do Brasil, nem que crescemos 15,3% enquanto o Brasil cresceu 2,2%, nem que exportamos 3,5 milhões de toneladas de grãos e somos o 16º PIB do país. Que a pobreza baixou de 23% para 13% e para este ano temos uma projeção de 5%. Todos os índices sociais estão melhorando.

Quando se lê os livros dos viajantes que aqui passaram, se encantaram com o Maranhão, o que se encontra é deslumbramento: Abbeville, o bom frade que primeiro escreveu sobre o nosso estado, tece na sua História dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão um hino de louvor. La Ravardière, vencido e preso na Torre de Belém, teve como única exigência para soltá-lo que não voltasse ao Maranhão; e numa liberdade poética ele afirmaria “ser livre, sem voltar ao Maranhão, não é liberdade, é escravidão”. Lembremos sempre Simão Estácio da Silveira, há quase quatro séculos afirmando que “das terras que Portugal conquistou a melhor é o Brasil e o Maranhão é o Brasil melhor”. Gilles Lapouge, grande jornalista e escritor francês, diz que “São Luís é a mais bela cidade do mundo”. Para citarmos todos nunca haverá espaço. Mas não podemos esquecer o maior poeta da língua portuguesa, Gonçalves Dias, na Canção do Exílio, a colocar no bronze eterno da palavra, sem maior receio: “Não permita Deus que eu morra sem que volte para lá.”

Isso para não falar no orgulho que temos de nossa terra, que na voz popular nasce dos versos: “Maranhão, minha terra, meu torrão”. Nosso amor é AMOR DEMAIS! Estamos todos revoltados, injustiçados, indignados, com esse massacre que está sendo feito contra o estado. Não merecemos isso.

O que é pior é a participação de maus maranhenses que, por motivos políticos, estão comandando essa campanha. A eles não interessa resolver os problemas e minorá-los, estão até achando bom, pensando que vão ter votos com isso.

Algumas pessoas que visitaram o Maranhão me disseram terem tido uma grande surpresa quando, em vez de ver esse Maranhão que eles mostram lá fora, veem um Maranhão de paz, de gente pacífica e de progresso. Venham ver o Maranhão e se tiverem senso de justiça vão aderir ao “EU AMO O MARANHÃO”. Aqui não é terra de bandidos, é lugar de gente abençoada e boa.

* Publicado na edição de hoje de O Estado do Maranhão