Por Felipe Camarão

Recentemente fui questionado por um ouvinte da rádio Difusora AM sobre uma prática comum, viagra sale porém absolutamente abusiva e, nurse portanto, ilegal. Trata-se da famigerada “venda casada” do serviço de internet com o serviço de telefonia fixa ou de TV a cabo. Este é um problema que sempre me incomodou e prometi ao ouvinte que iria escrever um breve estudo sobre o tema.

Passei pouco tempo à frente do PROCON/MA, motivo pelo qual não tive a oportunidade de ajuizar uma ação contra as empresas que cometem essa ilegalidade, mas pretendo que este escrito valha como apelo aos órgãos competentes, notadamente à ANATEL para que cumpra seu papel e legal e constitucional – a título de curiosidade, a criação da ANATEL decorreu da edição da Emenda Constitucional nº 08/95 e foi concretizada com a edição da Lei Geral das Telecomunicações – Lei 9.472/97.

Infelizmente a “venda casada” – que não se confunde com uma promoção, pois neste caso há efetivamente uma vantagem para o consumidor – é comumente levada a efeito pelas operadoras de telefonia e pelas prestadoras do serviço de TV por assinatura. Contudo, como disse, essa é uma prática ilegal e surpreende que até hoje isso aconteça de forma tão natural.

A legislação é farta, clara e expressa ao vedar essa prática. Primeiro, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 39, I, e o Decreto 2.181/97 (que regulamenta o CDC), em seu art. 12, I, dispõem de maneira praticamente igual, que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço.

A Lei 8.137/90 prevê que constitui crime, punido com detenção de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa, “subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço”. Friso: segundo texto claro da lei, em tese, constitui CRIME a prática da venda casada do serviço de internet com o serviço de telefonia fixa ou de TV a cabo ou por assinatura.

Se as empresas que oferecem esses tipos de serviço considerarem pouco infringir diretamente o CDC e possivelmente praticar um delito, e já que a imensa maioria só obedece mesmo (quando muito!) às Resoluções da ANATEL, ressalto que art. 50 do Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução nº 272, de 9 de agosto de 2001, também veda “à prestadora condicionar a oferta do SCM à aquisição de qualquer outro serviço ou facilidade, oferecido por seu intermédio ou de suas coligadas, controladas ou controladoras, ou condicionar vantagens ao assinante à compra de outras aplicações ou de serviços adicionais ao SCM, ainda que prestados por terceiros”.

A situação é tão absurda que no sítio eletrônica da ANATEL, na seção de “perguntas frequentes” (http://www.anatel.gov.br), está escrito de maneira bem clara:

Uma pessoa física ou jurídica que deseja contratar acesso à internet – banda larga fixa precisa obrigatoriamente contratar também um serviço de telefonia fixa (Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC)?

Não. É proibido condicionar a oferta do SCM à aquisição de qualquer outro serviço ou facilidade, oferecido pela prestadora ou por suas coligadas. Também é proibido condicionar vantagens ao assinante à compra de outras aplicações ou de serviços adicionais ao SCM, ainda que prestados por terceiros. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) também estabelece vedação à prestadora condicionar o seu fornecimento ao fornecimento de outro produto ou serviço.

E continua a Agência Reguladora na mesma seção: “Assim, pode-se contratar, por exemplo, a banda larga fixa via tecnologia ADSL independentemente da existência de um telefone fixo associado. O interessado só deve contratar os dois serviços, banda larga ADSL e telefone fixo, se for do seu interesse”. E o art. 52 do Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia ainda complementa que “a prestadora não pode impedir, por contrato ou por qualquer outro meio, que o assinante seja servido por outras redes ou serviços de telecomunicações”.

Diversas são as decisões judiciais no sentido da proibição do condicionamento do serviço de internet ao de telefonia fixa ou de TV por assinatura. Transcrevo apenas uma decisão que resume bem a ideia aqui defendida:

APELAÇÃO. VENDA CASADA. SERVIÇOS DE INTERNET E DE TV A CABO POR ASSINATURA.

1. Incidência do Código de Defesa do Consumidor no caso concreto, embora celebradas as avenças por pessoas jurídicas, mas expostas às práticas previstas no diploma legal, porque consumidora final (art.29).

2. Restou configurada prática abusiva da NET ao vincular obrigatoriamente a contratação do serviço de TV a cabo como condição para a contratação do serviço de internet VIRTUA, que era o que realmente interessava aos demandantes.

Essa prática, expressamente vedada pelo artigo 39, I do Código Consumerista, configura-se como vedação coerente com o disposto no artigo 6°, inc. II, que estatui ser um dos direitos básicos do consumidor a liberdade de escolha nas contratações.

Havendo abusividade na contratação, é de ser reconhecida a invalidade da cláusula que impôs a contratação complementar do serviço de TV a cabo para escritório de advocacia, como condição para a disponibilidade do serviço VIRTUA (art. 51, IV).

Sentença mantida. Apelo improvido. (Apelação Cível Nº 70017649484, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Orlando Heemann Júnior, Julgado em 28/06/2007)

Diante do exposto, e considerando a caracterização de infração administrativa, possível ilícito penal e nítido ilícito civil, sugiro aos consumidores que diante da situação de venda casada do serviço de internet com o serviço de telefonia fixo ou de TV por assinatura, façam reclamações no PROCON e na ANATEL, e registrem Boletim de Ocorrência na Delegacia do Consumidor. Recomendo, ainda, que ajuízem ação no juizado especial competente requerendo a venda dos serviços de forma separada ou, caso já tenham sido obrigados a contratar os serviços, solicitem indenização por danos morais, além da cessação do serviço indesejado, com a devolução em dobro dos valores pagos a maior.

PS: Felipe Camarão é Procurador Federal. Bacharel em Direito pela UFMA. Especialista em Direito Constitucional (UNICEUMA) e Direito do Consumidor (UNIDERP). Ex – Dirigente do PROCON/MA em duas oportunidades e professor de Direito (graduação e pós-graduação).