A referência especial de Brandão a José Sarney

por Jorge Aragão

Definitivamente o atual governador Carlos Brandão (PSB) e o ex-governador e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), apesar de pertencerem ao mesmo partido e ao mesmo grupo, são políticos bem diferentes na maneira de governar, se posicionar e de pensar.

Na sexta-feira (06), quando da solenidade de recondução de Brandão ao cargo de governador, no Palácio dos Leões, várias autoridades estiveram presentes, mas uma em especial mereceu atenção e uma referência exclusiva do governador maranhense.

O ex-presidente da República, José Sarney (MDB), mesmo aos seus 92 anos, fez questão de comparecer na solenidade e prestigiar Carlos Brandão e o vice-governador Felipe Camarão (PT). O gesto de Sarney foi reconhecido por Brandão, que fez uma referência especial ao maior político que o Maranhão já teve.

“Gratidão a cada maranhense e a cada autoridade que participou deste momento de alegria conosco. Agradeço especialmente a presença do ex-presidente José Sarney e dos parceiros que vieram de todo o Maranhão deixar boas vibrações ao nosso Governo”, afirmou Brandão.

É o que se pode chamar um encontro de dois verdadeiros democratas.

Eleição e Democracia

por Jorge Aragão

Por José Sarney

O Brasil levou muito tempo para alcançar um dos pontos essenciais da democracia, que é o voto. Durante o Império, o voto foi sempre objeto de ansiedade e preocupação. O primeiro ponto era a questão de quem a ele tinha direito. Desde a eleição para a Assembleia Constituinte o voto foi censitário, isto é, restrito a quem preenchia certas condições econômicas. A Constituição de 1824 manteve o critério: eram eleitores todos os cidadãos, excluídos os menores de 25 anos, os filhos família, os criados de servir, os religiosos e os que não tivessem renda mínima de cem mil réis, para as assembleias paroquiais; para deputados e senadores excluíam-se ainda os que não tivessem renda de 200 mil réis os libertos e os criminosos. A Constituição não falava em mulher ou escravo — mas a exclusão era inequívoca. O sistema era de graus: elegiam-se os eleitores, estes elegiam os parlamentares. Em meados do século foi criada a eleição por círculos, a primeira forma de voto distrital. Em 1875 se tentou fazer representação minoritária, com a Lei do Terço, em que os eleitores só votavam em 2/3 das vagas. Finalmente, já no final do Império, veio a eleição direta. E reapareceu o voto secreto, que existia no Código Filipino.

A República chegou com um retrocesso: a invenção do voto a descoberto facultativo — ou melhor, obrigatório, já que raros eram bestas ao ponto de contrariar o governo. Essa invenção extraordinária era simples: depois do voto o eleitor recebia um atestado de que tinha votado na pessoa certa. Os resultados das eleições presidenciais, assim, foram de quase unanimidade — em torno de 95% — durante toda a República Velha. Já os votos para o Parlamento passavam pelo crivo da Comissão de Verificação de Poderes, pela qual Pinheiro Machado decidia quem era cooptado. A Revolução de 1930 veio sem voto. Em 1932, Getúlio escolheu seu antigo adversário, Assis Brasil, para fazer o primeiro Código Eleitoral. Foi um grande passo, mas lançou o voto proporcional uninominal, reinvindicação que fazia há décadas e a cuja longa sobrevivência devemos o problema da proliferação de partidos.

Desde o Império, se necessário, numa regra não escrita, baixava-se o cacete, maneira poderosa de decidir quem tinha mais votos, pois o número dos dispostos a ter o lombo quebrado sempre tendeu a ser menor que o dos que procuravam preservá-lo.

Eu fui fiscal eleitoral numa seção do interior. A noite da véspera da eleição passou entre copos emborcados e tiro para o alto. Às duas da manhã me acordaram para ir com um grupo ao juiz. Este surgiu pálido e em pânico. O líder do grupo, com dois revólveres à cinta, perguntou: — “O senhor está com nós ou contra nós?” O juiz, trêmulo: — “’Tou com nós!” Dias depois a apuração deu empate.

Nossa democracia tem que superar o impasse do sistema partidário: é necessário que os partidos tenham propostas e que estas resultem de processo democrático interno. Infelizmente o que temos é um conjunto de partidos disputando não os centavos, mas os milhões dados pelo Tesouro e sem qualquer vislumbre de uma ideia que não seja a do poder pelo poder. Mas do lado do voto as leis eleitorais avançaram. Eu mesmo, ainda deputado, apresentei projeto para tornar oficial o alistamento eleitoral, um dos graves problemas. A informatização da Justiça Eleitoral — durante meu governo o TSE implantou o cadastro eleitoral informatizado — e sobretudo a introdução da urna eletrônica, em 1996, foram os passos decisivos para acabar com as fraudes. Desde então as eleições brasileiras se realizam com a segurança de que o voto corresponde exatamente à vontade do eleitor.

Nossa democracia se consolidou e para isso foi muito importante a urna eletrônica.

A Casa, o Bem de Família

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Ao longo da História da Humanidade a casa — o espaço pessoal de uma família, fosse de pedra ou de couro, fixo ou móvel — sempre teve um caráter de refúgio, desde para o visitante, acolhido com o que se tinha de melhor, até à garantia de sua inviolabilidade. A Constituição acolheu esse princípio, estabelecendo que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador”.

O que me levou a fazer política foi a ideia de que a sociedade só se sustenta — o Estado só é viável — se houver justiça social. Para isso eu sabia que tinha que conhecer a vida das pessoas mais humildes; e, graças a Deus, nunca me afastei delas. Testemunhei pessoalmente os seus problemas, desde a falta de trabalho para ter o pão de cada dia, até o problema de como sobreviver sem ele, o pão nosso — e é como um golpe no peito que ouço que 33 milhões de brasileiros estão passando fome.

Vi assim como era importante para os que tinham uma casa, muitas vezes minúscula, a segurança de ali poderem viver, se refugiar, se reunir, ser feliz ou sofrer junto aos seus. E a tragédia que era quando a perdiam, muitas vezes postos fora por dívidas reais ou presumidas.

Então, quando Presidente da República, instituí a regra da impenhorabilidade da casa própria, da residência da família. Acrescentei ainda como impenhoráveis salários, bens de trabalho e as pequenas propriedades autossustentáveis — uma lembrança dos Homestead Acts, que Lincoln e outros líderes americanos fizeram a partir de 1841, que subsistem hoje como um modo de vida em cumplicidade com a natureza.

Perdi a conta do número de vezes que alguém me agradeceu por ter evitado assim que perdesse seu bem de família. Tendo me mantido na política ainda por muitos anos, tive ocasião de defender o princípio com as armas da ação parlamentar, levantando a voz para evitar qualquer tentativa de regredirmos ao capitalismo selvagem.

Foi com enorme surpresa, por isso, que vi a notícia de que a Câmara dos Deputados aprovou, silenciosamente e de maneira inacreditável, projeto de lei — o PL 4188/21 — criando um “marco legal de garantia de empréstimos”, isto é, protegendo os que têm dinheiro para emprestar em detrimento dos que precisam do dinheiro para viver. Faltou aos deputados a sensibilidade de imaginar as repercussões para os mais pobres, sobretudo num momento tão difícil para nosso País.

Para tomar a casa das pessoas, o governo propôs que sejam criadas umas tais de “IGGs”, instituições gestoras de garantias, aumentando o difícil caminho para se chegar aos empréstimos sob o pretexto de dar maior segurança aos credores. A notícia da Agência Câmara descreve singelamente uma coisa tão feia: “Quanto ao único imóvel da família, o texto aprovado muda a lei sobre a impenhorabilidade de imóvel (Lei 8.009/90) para permitir essa penhora em qualquer situação na qual o imóvel foi dado como garantia real, independentemente da obrigação garantida ou da destinação dos recursos obtidos, mesmo quando a dívida for de terceiro (um pai garantindo uma dívida do filho com o único imóvel que possui).”

Debatendo uma dessas tentativas de acabar com a impenhorabilidade da casa própria, há alguns anos, lembrei o Sermão dos Peixes, feito pelo Padre Vieira. Ele diz aos peixes que eles têm um grande defeito, que é os peixes grandes comerem os pequenos. Se os pequenos comessem os grandes, bastava um grande para alimentar muitos pequenos. Mas, como o grande come os pequenos, milhares e milhares de pequenos são devorados pelos grandes.

Assim seria com essa lei, se fosse aprovada: com ela se beneficiariam os que penhoram casas, aqueles peixes grandes que comem os peixes pequenos. Tendo sido senador por 40 anos, apelo ao Senado que examine a gravidade do assunto, com confiança de que jamais deixará passar esse projeto, tão prejudicial ao nosso povo.

Tancredo Neves: O Segredo

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Fez parte das articulações para conter as resistências, na área militar, à candidatura de Tancredo Neves, um encontro dele com o então Ministro do Exército, General Walter Pires.

Ficou encarregado de fazer esse contato e articular a reunião o Secretário da Receita Federal, Francisco Dornelles — depois ministro, senador, governador —, que tinha boas relações com o general. Foi tudo organizado em sigilo absoluto, de forma que ninguém jamais soubesse desse encontro, que não teria boa repercussão em nossas hostes.

Feito o agendamento, Tancredo foi visitar o General Walter Pires em sua residência. Quando desceu do apartamento do general, Tancredo viu que um número considerável de jornalistas o aguardava embaixo do prédio, indicando que haviam descoberto aquele encontro e até a hora da visita de Tancredo.

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Ao sair do elevador, um jornalista perguntou a Tancredo: “Dr. Tancredo, como foi a conversa com o General Walter Pires?”

Tancredo respondeu-lhe, sem vacilar: “Ele mora aqui?”

Dito isso foi saindo, e todo mundo começou a gargalhar e louvar a agilidade mental do nosso candidato.

Tancredo Neves contou essa história na casa do Ulysses, em minha presença e na de Zé Aparecido, Aluízio Alves, Renato Archer e Dona Mora. Quando ele acabou de contar a façanha, Dona Mora argumentou: “Mas, Dr. Tancredo? Se o Aluízio e o Aparecido sabiam dessa visita, o senhor achava que a imprensa também não iria saber? Lembrese da lei do Golbery: ‘Segredo só não conta quem não sabe!’”

Em outro dia, Tancredo, numa tarde em sua casa, com Thales Ramalho, Affonso Camargo e Aecinho, perguntou: “Vocês, que são muito sabidos, digam: quem será o meu Chefe da Casa Civil?

Thales Ramalho respondeu-lhe: “José Hugo Castelo Branco.”

Aí Tancredo exclamou: “Antônia me traiu!”

E Thales explicou: “Não, Tancredo, quem, como eu, o conhece sabe que deve ser escolhido um homem habilidoso, que também o conheça e a Minas Gerais, que tenha boas relações com sua família, além de ser do seu jeito. Já que somos os sabidos, a minha sabedoria me diz que vai ser o Zé Hugo. Não culpe a Antônia disso não.”

Por outro lado, o Affonso Camargo, que tinha tido uma atuação proeminente em favor de Tancredo dentro do PMDB, também desejava ser o Chefe da Casa Civil. Desconfiando de que o Tancredo já o tinha escolhido para Ministro dos Transportes e querendo reverter a situação, disse a Tancredo: “Tancredo, eu só não quero o Ministério dos Transportes.”

Achava que, com isso, levaria Tancredo a escolhê-lo para a Casa Civil. Mas Tancredo disse-lhe: “Não, tenho uma missão especial nessa área de transporte e só tem um homem capaz de assumir essa responsabilidade: você! Você será o Ministro dos Transportes.”

O Affonso Camargo ficou meio murcho, mas sentiu que Tancredo já tinha feito o que planejara: escolhera o Zé Hugo para a Casa Civil.

Havia também uma grande pressão para o Ministério do Interior. O pessoal do Nordeste, comandado pelo grupo pernambucano, queria indicar o ministro. Mas havia uma reação do Ulysses e de grande parte do Grupo Autêntico do PMDB.

Quando a confusão se estabeleceu e Ulysses levou a Tancredo o nível da divergência, Tancredo respondeu-lhe: “Ulysses, enquanto vocês discutem, eu ponho o Ronaldo Costa Couto lá… até vocês se entenderem.”

Tancredo Neves: os desejos

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Tancredo contou-me que, no Governo de Raul Soares —Presidente (governador) de Minas Gerais de 1922 a 1924 —, em Minas, ainda havia no Palácio da Liberdade um corredor por onde entrava o Presidente do Estado toda manhã. Em bancos laterais desse corredor ficavam os pedintes, e ali o Presidente fazia o seu primeiro despacho: uns pediam passagem, outros, emprego etc. Entre aquelas pessoas, havia uma senhora que nunca lhe pedira nada, mas todo dia ali se sentava. Até que, passadas umas duas semanas depois que assumira, Raul Soares perguntou-lhe:

— E a senhora, todo dia sentadinha… O que deseja?

Ela perguntou ao Presidente:

— Já voltaram a fornecer as passagens para o noturno do Rio de Janeiro?

Todo governo começava com um corte de despesas, a primeira delas era a doação de passagens. Passada a propaganda da eleição, voltava tudo a ser como dantes no quartel de Abrantes.

Em 1955, quando era deputado federal, Tancredo Neves foi encarregado por Juscelino de explicar ao Dagoberto Sales — que já tinha sido convidado por ele para Ministro da Agricultura — que ele teria de nomear para esse cargo o então Governador do Maranhão, Eugênio Barros, com quem combinara a eleição do Chateaubriand a senador pelo Estado, para, com isso, receber o apoio dos Diários Associados. Juscelino recompensaria o Maranhão nomeando Ministro da Agricultura o Eugênio Barros, em vez do Dagoberto Sales.

Passada a eleição, Tancredo evitava encontrar-se com ele: quando ia à Câmara desviava do deputado sempre que o encontrava, com vergonha da missão que lhe tinha sido confiada por Juscelino.

Um dia não teve jeito: ia subindo a escada atrás da mesa, no plenário da Câmara, que levava à Primeira-Secretaria, e Dagoberto ia descendo. Tancredo saudou-o:

— Ô Dagoberto! Que saudade! Como vai você?

— Vou como noiva em noite de lua de mel.

E o melhor da história: Eugênio Barros também não foi nomeado Ministro da Agricultura, cargo que terminou nas mãos de Ernesto Dornelles, primo de Getúlio, que acabara de encerrar seu mandato de Governador do Rio Grande do Sul, por outro desses arranjos feitos nas campanhas eleitorais.

Eugênio Barros foi mais discreto: perguntado por que não fora nomeado Ministro da Agricultura, como tinha sido noticiado, respondeu:

— Porque não fui convidado!

Na organização do Ministério, em 1985, Ulysses levou a Tancredo o protesto geral do PMDB pela escolha do Antônio Carlos Magalhães para Ministro das Comunicações.

Disse-lhe Ulysses que não tinha condições de segurar o Partido, que eles tinham como candidato Freitas Nobre ou Severo Gomes. Todos estavam revoltados com a escolha do ACM.

Então, Ulysses avisou a Tancredo:

— Você vai ser obrigado a enfrentar uma briga muito grande com o Partido, com os candidatos, com as lideranças por causa disso. Pense bem, Tancredo, arrume um lugar de embaixador para o Antônio Carlos.

Tancredo bateu na perna do Ulysses e disse-lhe:

— Olhe, Ulysses, eu brigo com o Papa, brigo com o Partido todo, brigo com as lideranças, brigo até com você: eu só não brigo com o Dr. Roberto Marinho, que nada me pediu e merece minha atenção.

A Furna da Marruá

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Bobbio dizia que a velhice era muito boa e cheia de encantos, o maior deles o gosto de matar saudades. Mas eu acho que o divertimento maior da velhice é o espaço de contar histórias, bom para encher e passar o tempo.

As operações do Ministério Público e da Polícia Federal, seguindo o costume das operações militares, têm sido férteis em criar cognomes e às vezes até os símbolos gregos e latinos são usados para denominar o trabalho. Assim é que encontraram o nome de Furna da Onça, que poucos sabem o que era e ninguém, hoje, se lembra de onde vem. Simplesmente era um nome muito conhecido do Rio dos anos 50, dado a um conjunto de duas salinhas no fundo do plenário do Palácio Tiradentes, então sede da Câmara dos Deputados, único lugar que existia, no meu tempo de deputado federal no Rio de Janeiro, para apoio dos parlamentares.

Essa denominação logo se popularizou graças à coluna Rondó, de curiosidades, mantida no Jornal do Brasil pelo grande jornalista Hermano Alves, que por alguns anos perambulou como exilado em vários países e só voltou ao Brasil em 1984; acabou morrendo em Lisboa. Muitas vezes fui seu informante e colaborador; eu contei ao Hermano a denominação das salinhas da Câmara, e ele começou a falar delas como se fossem o lugar dos conchavos políticos, por discretos e longe da imprensa.

Essas duas salinhas passaram a ter uma só denominação, passando do plural para o singular: Furna da Onça. Não sei com exatidão quem pôs esse nome. Sem certeza, acredito que a autoria esteja entre o Último de Carvalho, que gostava de brincadeiras desse tipo, e o Carvalho Sobrinho, que fazia quadrinhas, algumas célebres, que não repito para não lembrar a memória e a personalidade de muitos companheiros daquele tempo, final dos anos 50. O primeiro deputado por Minas Gerais e o segundo por São Paulo.

Uma das salas tinha somente uma funcionária, muito feia, que datilografava telegramas para nós. Do outro lado, uma moça bonita, alvo da investida de muitos parlamentares, muito assediada. A primeira, alvo de chacotas, foi logo apelidada de Onça, dando nome à sala de Furna da Onça.

Agora a Furna da Onça está consagrada pela Polícia Federal. A Onça da Câmara, vítima da feiura, ficou eternizada.

Talvez, se fosse hoje, quando a novela Pantanal ocupa a noite das famílias brasileiras, e Alanis Guillen — com seu notável desempenho — fosse funcionária da Assembleia do Rio de Janeiro, as salinhas da Câmara seriam Furna de Juma Marruá, e os deputados faltariam às sessões para ver o momento em que ela se transforma em onça e, em vez de processos apurando as mortes da novela e os processos políticos, teríamos milhares de denúncias de assédio sexual. E a onça solta no plenário da Câmara ia atacar muita gente.

E aí a Polícia Federal, em vez de Operação Furna da Onça, teria de chamá-la de Operação Marruá.

O belo gesto de Yglesio Moyses para com José Sarney

por Jorge Aragão

O deputado estadual e presidente do Moto Club, Yglesio Moyses (PSB), teve um gesto grandioso, nesta quinta-feira (12), ao encontrar, na sede do Grupo Mirante de Comunicação, o ex-presidente da República, José Sarney (MDB).

Apesar de jamais pertencerem ao mesmo grupo político, Yglesio fez questão de reconhecer a importância de Sarney para o Brasil e Maranhão, presenteando o ex-presidente com uma camisa do rubro-negro maranhense.

“Pessoal, uma satisfação muito grande ao encontrar o nosso presidente Sarney. Entregando uma camisa do Papão do Norte a ele. O senhor sempre será uma referência para todos nós”, disse Yglesio.

Sarney, além de agradecer, lembrou, em tom de brincadeira, que esteve na fundação do Moto.

“Eu estou tão velho que posso dizer que estive na fundação deste clube tão glorioso para o Estado”, afirmou Sarney, que é torcedor do Maranhão Atlético Clube.

Um belo gesto e que deveria ser mais vezes repetido, afinal na política não se deve ter inimigos, mas apenas adversários políticos. Além disso, reconhecer os feitos, mesmo de um adversário, é um gesto de grandeza, pena que feito por poucos.

Veja abaixo a entrega da camisa do Moto feita por Yglesio ao ex-presidente José Sarney.

Sarney mais uma vez podendo ser decisivo para Lula

por Jorge Aragão

O ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já percebeu que não terá uma eleição fácil, como alguns tolamente imaginavam, e, por esse motivo, sabe da importância dos apoios dos grandes partidos, como é o caso do MDB.

Lula fez questão de buscar algumas das principais lideranças do partido num jantar nesta semana, afinal o MDB ensaia uma pré-candidatura própria com a senadora pelo Mato Grosso do Sul, Simone Tebet. A pré-candidata inclusive afirma que já teria o apoio de 14 diretórios estaduais.

Diante do cenário, Lula recorreu a um antigo e fiel aliado dentro do MDB, o também ex-presidente da República, José Sarney. Lula fez questão de visitar Sarney em sua residência, em Brasília, e ter um encontro a sós com o maranhense. O petista sabe a força e a influência que Sarney pode ter para que o MDB esteja com o PT logo no 1º Turno das eleições 2022.

A ideia de Lula e do PT é barrar a pré-candidatura de Simone Tebet e ter o MDB logo ao seu lado desde o início da eleição presidencial.

Apesar de ter dito que tem evitado se meter nos debates políticos, mas mesmo ao longo dos seus 92 anos, Sarney já mandou o recado ao MDB em duas frases. Na primeira deixou claro que, neste momento, não tem espaço para uma terceira via e, num segundo momento, deixou evidente sua preferência pelo retorno de Lula a Presidência da República.

“Candidato a presidente da República não se faz do dia para a noite. Obviamente, existem exceções”, afirmou Sarney ao comentar sobre a polarização entre Lula e o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL).

“O Brasil nunca precisou tanto de um político como Lula”, finalizou, ao deixar claro ao MDB qual caminho deve seguir.

E ainda tem políticos, como o ex-governador Flávio Dino, talvez por ciúmes, que não conseguia entender o porque da sempre predileção de Lula por Sarney no Maranhão, mesmo em detrimento inclusive dos partidos de esquerda.

Agora é aguardar e conferir, mas o recado de Sarney já foi dado.

Otávio Mangabeira

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Otávio Mangabeira fora deputado federal desde 1911, chanceler no governo Washington Luís, exilado, novamente deputado, deputado constituinte, governador da Bahia, senador, participara da fundação da UDN e era membro da Academia Brasileira de Letras desde 1934. Velho, nos últimos anos de sua vida, morava no hotel Glória; se não me engano, na suíte 901, no nono andar. Recordo-me de que ele tinha os pés já bastante inflamados e andava com chinelas de plumas, muito confortáveis. Ali recebia os amigos e admiradores e os líderes dos partidos políticos, que sempre desejavam ouvi-lo.

Nós, da UDN, éramos presença constante. Não digo por mim, que era muito jovem, mas ali estive duas vezes, em companhia do Carlos Lacerda e do João Agripino.

No dia da revolta do Major Veloso, de Aragarças, Carlos Lacerda, ao saber da deflagração do movimento, telefonou para João Agripino e para mim pedindo que fôssemos ao hotel Glória, à suíte do Mangabeira, para onde ele estava se deslocando.

Lá cheguei e já encontrei o Lacerda dizendo ao Mangabeira que não tinha nenhum envolvimento com o fato e, pelo contrário, ouvindo alguns ruídos sobre sua ligação com oficiais da Aeronáutica, tinha chamado o Major Veloso, um dos mais afoitos, e dito que não praticasse nada de sedição — coisa de que eles falavam todo dia — e que ele condenaria qualquer movimento dessa natureza.

Mesmo assim, Veloso e alguns companheiros de farda desviaram três aviões militares, sequestraram um Constellation e foram para a pequena base de Aragarças. Foi o primeiro sequestro de avião do Brasil.

Lacerda insistia em reafirmar a Otávio Mangabeira e a todos nós — foram chegando outros colegas de partido: Rondon Pacheco, Milton Campos — sua absoluta falta de participação nesse movimento, feito com o objetivo de derrubar o Juscelino.

Mangabeira deu sua opinião, também contrária àquilo, dizendo que se tratava de uma loucura de jovens revoltados da Força Aérea, que ainda não haviam superado os resultados da chamada República do Galeão, na qual eles tinham feito o famoso inquérito sobre a morte do Major Vaz, que levara ao suicídio de Getúlio Vargas.

Ali foi tomada a decisão de que a UDN, por todos os meios, manifestaria sua contrariedade à chamada Revolta de Aragarças. Carlos Lacerda comprometeu-se a discursar, à tarde, na Câmara dos Deputados, dizendo de sua — bem como de todo o partido — condenação ao movimento e ao gesto tresloucado.

Foi um discurso difícil e notável!

Passada a agenda política, Carlos Lacerda perguntou ao Mangabeira por que ele não se mudava para um apartamento, argumentando que ficar ali no hotel seria bastante caro para ele, homem desprovido de posses, sendo muito mais barato morar em sua própria casa.

Mangabeira respondeu-lhe: “Carlos, na minha idade, não sei mais quem paga meu hotel.”

Antônio Carlos Magalhães contava que um dia Mangabeira lhe perguntara pelo Luiz Viana. Ele, então, disse que o Luiz Viana se encontrava na Bahia, aonde fora para a comemoração de sessenta anos de um amigo.

Doutor Mangabeira respondeu-lhe: “Quer dizer que Luiz Viana foi à Bahia só para um aniversário de sessenta anos de um fulano de tal…” E concluiu: “É. Hoje qualquer vagabundo faz sessenta anos na Bahia!”

Otávio Mangabeira era governador da Bahia, e o jornal A Tarde começou a atacar alguns oficiais que teriam provocado uma desordem na zona de meretrício de Salvador. Esses oficiais invadiram e empastelaram o jornal, pelo desrespeito que tinha tido com a oficialidade da guarnição militar.

Simões Filho, que era uma grande figura da Bahia, ex-ministro da Educação e fundador de A Tarde, procurou Mangabeira: “Governador, isso não pode acontecer no seu Governo: empastelaram o jornal, quebraram tudo e surraram uns jornalistas. Lembremo-nos de Rui Barbosa, que dizia: ‘A imprensa constitui o pulmão da democracia.’ O senhor tem que tomar providências imediatas, abrindo inquérito para punir os culpados.”

Mangabeira olhou para ele e respondeu: “Ó Simões, Rui é o astral; a realidade é o Exército Nacional!” E deu por encerrada a conversa.

Antônio Carlos contava isso com muita graça, imitando, como ninguém, o falar entre as bochechas do velho Mangabeira.

Milton Campos

por Jorge Aragão

Esta imagem é parte do Fundo Agência Nacional Série FOT Subsérie PPU

Por José Sarney

O doutor Milton Campos, um dos grandes nomes da UDN, intelectual brilhante, advogado, jornalista, foi deputado constituinte, governador de Minas, senador, candidato a vice-presidente da República, ministro da Justiça. Estava, certa vez, no aeroporto do Rio, quando se aproximou dele uma sessentona, daquelas mulheres engajadas na política:

— Doutor Milton, eu sou da UDN, mas da UDN verdadeira: fui uma das viúvas da rotativa e sou da UDN da calúnia! Da calúnia, doutor Milton, como o senhor!

O fato é que Carlos Lacerda promovera uma campanha para comprar uma rotativa nova para o jornal Tribuna da Imprensa: algumas senhoras saíram pela avenida Rio Branco com a bandeira da UDN esticada, e as pessoas jogavam, no meio da bandeira, suas contribuições. O Diário Carioca, que era do PSD e contra a UDN, cognominou as senhoras quarentonas de “viúvas da rotativa”.

Milton Campos, um padrão de correção ética, sorriu e disse:

— Persevere!

Ele tinha um espírito de ironia fina. Quando era governador de Minas Gerais houve uma greve de professores. O secretário da Educação fez um relatório sobre a greve, informando que era grave no Município de Divinópolis, e disse ao Governador que era necessário determinar ao secretário de Segurança que mandasse um destacamento da Polícia para acabar com ela.

Milton Campos respondeu ao secretário:

— Não, eu tenho outra solução: vou mandar o secretário da Fazenda pagar o salário dos professores, que estão em greve pelo atraso de seus vencimentos!

Seu chefe do gabinete civil era o Pedro Aleixo, muito seu amigo e figura das mais expressivas da política mineira.

Como era ele que executava as ordens do governador, contava-se, em Minas Gerais, a seguinte história: quando alguém queria falar com o Governador Milton Campos, ele dizia:

— Fale com Pedro, primeiro.

Naquela época Pedro Aleixo ficou conhecido como um dos Braganças: Pedro I.

Quando Milton Campos foi candidato a vice-presidente na chapa de Jânio Quadros, a votação para presidente e vice era independente. Isso fez que Jango — João Goulart — promovesse o voto Jan-Jan, infelizmente vitorioso: podemos imaginar que se Milton fosse o vice-presidente não haveria a crise de 1964 e o regime militar. O Jânio não contribuiu, durante a campanha, para desestimular o Jan-Jan. Apesar disso, ele e Milton muitas vezes fizeram campanha juntos.

Jânio Quadros, em todos os lugares aonde chegava, fazia o mesmo discurso, sempre com uma fórmula mágica para levantar as massas e levá-las ao delírio.

Certa vez, em Salvador, fomos a um comício, e o Jânio provocou o Milton Campos:

— Doutor Milton, o senhor, em cada lugar, faz um discurso diferente.

O Milton Campos respondeu:

— É porque não tenho boa memória, Governador.

Em Brasília, logo após a mudança da capital, as casas dos deputados eram como repúblicas de estudante: nós nos reuníamos para bater papo e, ao mesmo tempo, tomar alguns drinques. Uma dessas casas, que tinha fregueses fixos, era a do Padre Godinho, brilhante orador e deputado por São Paulo.

Um dia, na mesa de drinques, o Padre Godinho perguntou a todos:

— Está faltando gelo?

Milton Campos lhe respondeu:

— Não, Godinho, está faltando uísque!

Outra tirada do Milton Campos, como sempre cheia de ironia e sabedoria, ocorreu durante um voo entre Rio de Janeiro e Vitória. O avião enfrentou muita turbulência e jogou muito. A aeromoça chegou junto ao Milton, que estava pálido e suava muito, e perguntou:

— Falta de ar, doutor Milton?

— Não, falta de terra.